É comum ouvir de pais, mães e educadores frases como “ele está imitando tudo o que vê” ou “ela repete tudo que escuta”. Isso não é apenas uma fase curiosa da infância: o comportamento imitativo faz parte do processo natural de aprendizagem e desenvolvimento emocional da criança. Muito mais do que apenas repetir gestos ou palavras, a imitação é uma ferramenta poderosa de descoberta, vínculo e crescimento.
Neste artigo, vamos entender por que as crianças copiam comportamentos, quais os principais sinais de quando isso ocorre de forma acentuada, quais as causas por trás dessa atitude e como os adultos podem lidar com isso com empatia e consciência.
O comportamento imitativo é a tendência da criança de observar e reproduzir ações, palavras e atitudes das pessoas ao seu redor. Ele pode surgir já nos primeiros meses de vida, quando o bebê tenta imitar expressões faciais dos cuidadores, e se intensifica por volta dos 2 aos 6 anos de idade — fase em que o cérebro infantil está em pleno desenvolvimento cognitivo, afetivo e social.
Imitar é uma forma de explorar o mundo, aprender regras sociais e desenvolver habilidades linguísticas e motoras. A criança observa como o adulto fala, age, se expressa emocionalmente e se relaciona com os outros. Com isso, ela vai criando sua própria forma de agir, testar limites e encontrar pertencimento nos grupos com os quais convive.
Existem diversos fatores que explicam o comportamento imitativo. Alguns dos mais comuns são:
Durante a primeira infância, o cérebro da criança está altamente receptivo a estímulos. A imitação é uma forma natural de absorver informações. Ela aprende observando o que acontece ao seu redor e testando essas experiências na prática.
Ao repetir falas ou gestos dos adultos e de outras crianças, o pequeno está tentando entender o que é certo ou errado, o que é bem-visto ou rejeitado. Esse processo ajuda a construir sua identidade e a formar valores.
Muitas vezes, a criança imita colegas da escola, irmãos mais velhos ou figuras de referência como forma de se integrar e ser aceita no grupo. Ela percebe que, ao repetir comportamentos de quem admira, tende a receber mais atenção ou elogios.
A imitação também é uma maneira de demonstrar carinho e conexão. Quando uma criança repete ações dos pais, por exemplo, pode estar dizendo, ainda que sem palavras: “eu quero ser como você”.
Nem sempre é fácil identificar se a criança está apenas aprendendo de forma saudável ou se o comportamento imitativo está sendo excessivo. A seguir, alguns sinais comuns que podem indicar que ela está copiando com frequência:
Repetição constante de frases ou bordões ouvidos em casa, na escola ou em vídeos;
Cópia de gestos, modos de falar e até expressões faciais de adultos ou colegas;
Tentativa de se vestir, agir ou brincar como alguém próximo;
Reações exageradas ou encenações inspiradas em personagens de desenhos ou filmes;
Alteração repentina no comportamento após convívio com determinadas pessoas.
Vale lembrar que, na maioria dos casos, esses sinais fazem parte de um processo natural. Contudo, é importante ficar atento caso a criança esteja reproduzindo atitudes agressivas, preconceituosas ou comportamentos que não condizem com sua idade, pois isso pode sinalizar uma influência inadequada.
De forma geral, imitar é saudável. O problema surge quando a criança passa a copiar comportamentos nocivos, sem a devida orientação. Por exemplo:
Imitar agressões físicas ou verbais;
Usar palavrões de forma repetitiva;
Fingir estar em situações de risco (como dirigir um carro ou fumar);
Adotar atitudes de desrespeito com adultos ou colegas.
Nesses casos, o comportamento imitativo pode ser reflexo do ambiente em que a criança está inserida. Isso não significa necessariamente negligência, mas exige atenção para o tipo de conteúdo a que ela tem acesso e o exemplo que os adultos estão dando no dia a dia.
Além da fase natural de desenvolvimento, alguns fatores podem intensificar esse comportamento:
Excesso de telas: Crianças que passam muitas horas por dia consumindo conteúdo digital tendem a repetir o que veem nos vídeos, muitas vezes sem compreender o contexto.
Falta de limites claros: Quando não há orientação consistente, a criança pode não entender que determinados comportamentos não são apropriados.
Falta de vínculo afetivo: Em alguns casos, a criança imita como forma de chamar atenção dos adultos ou compensar a ausência de conexão emocional.
Distúrbios do neurodesenvolvimento: Em contextos mais específicos, o comportamento imitativo pode estar associado a quadros como o transtorno do espectro autista (TEA), embora isso não deva ser considerado de forma isolada.
Ao perceber que a criança está imitando algo inadequado ou exagerando na repetição, a melhor resposta não é a bronca, mas sim o acolhimento e a orientação. Algumas atitudes que ajudam:
Explique com calma por que certos comportamentos não são adequados;
Estimule a criança a desenvolver sua própria criatividade e identidade;
Seja um bom exemplo: as crianças aprendem mais com o que veem do que com o que escutam;
Evite expô-la a conteúdos violentos ou de linguagem agressiva;
Reforce positivamente os comportamentos que expressam respeito, empatia e cooperação.
Na primeira parte deste artigo, falamos sobre as causas, os sinais e os motivos que levam as crianças a copiar comportamentos. Agora, vamos nos aprofundar nas formas de lidar com essa fase de forma saudável, compreendendo como orientar, tratar possíveis excessos e estimular a identidade da criança com empatia e equilíbrio.
Embora o comportamento imitativo seja natural no desenvolvimento infantil, existem situações em que é indicado procurar o apoio de um profissional. Psicólogos, terapeutas ocupacionais e pedagogos podem ajudar a entender o contexto e oferecer estratégias de manejo. Veja alguns sinais de alerta:
A criança não consegue parar de imitar, mesmo quando orientada;
Há prejuízo nas interações sociais ou na rotina diária;
Os comportamentos copiados são agressivos, perigosos ou de natureza sexual;
A imitação parece mecânica ou sem compreensão do que está sendo repetido;
Existe atraso em outras áreas do desenvolvimento, como fala, motricidade ou socialização.
Nesses casos, a avaliação profissional não serve para rotular, mas sim para compreender e apoiar a criança em seu processo de crescimento emocional e cognitivo.
A maneira como os adultos reagem ao comportamento imitativo influencia diretamente na forma como a criança vai absorver e ressignificar aquilo que está copiando. Por isso, aqui vão algumas estratégias práticas e empáticas para aplicar no dia a dia:
A bronca costuma causar confusão ou medo. Prefira conversas em tom calmo, com explicações claras sobre o motivo pelo qual aquele comportamento não é apropriado. Exemplo: “Eu sei que você está repetindo o que ouviu, mas aqui em casa a gente não usa essas palavras porque elas machucam.”
Sempre que a criança agir com respeito, criatividade ou empatia, reconheça isso com elogios sinceros. O reforço positivo ajuda a construir autoestima e mostra quais atitudes são valorizadas.
Crie oportunidades para que a criança explore seus próprios gostos, criações e escolhas. Brincadeiras livres, atividades artísticas e histórias inventadas são ótimos caminhos para isso.
Supervisione o que a criança assiste e escuta. Prefira conteúdos apropriados para a idade e evite programas com linguagem agressiva ou atitudes que estimulem comportamentos indesejados.
Essa talvez seja a dica mais poderosa: a criança aprende mais pelo exemplo do que pela fala. Observe suas próprias atitudes no dia a dia. Gentileza, escuta ativa, empatia e responsabilidade são valores que se ensinam vivendo.
Ao invés de apenas corrigir o que a criança imita, busque entender o porquê daquela repetição. Perguntas como “Por que você falou isso?” ou “Onde aprendeu esse gesto?” podem revelar medos, inseguranças ou desejos escondidos.
Esse tipo de escuta gera conexão e fortalece o vínculo entre adulto e criança, criando um espaço seguro para que ela possa expressar seus sentimentos de forma autêntica e sem medo de julgamentos.
Em alguns casos, o comportamento imitativo pode estar ligado a conflitos emocionais, ansiedade ou dificuldades de socialização. Nessas situações, a ludoterapia (terapia através do brincar) pode ser uma ferramenta eficaz.
Através de jogos, histórias e brinquedos simbólicos, a criança pode:
Elaborar situações vividas que ela não sabe como verbalizar;
Reencenar conflitos de forma segura e simbólica;
Trabalhar suas emoções com o suporte de um profissional especializado.
Esse tipo de abordagem é leve, acolhedora e respeita o tempo de desenvolvimento de cada criança.
O comportamento imitativo não deve ser visto como algo negativo. Ele faz parte da jornada de construção da personalidade. O que os adultos podem (e devem) fazer é guiar essa fase com sensibilidade, firmeza e muito carinho.
Aqui estão algumas formas de estimular a autenticidade da criança no cotidiano:
Incentive que ela tome pequenas decisões (como escolher a roupa ou o brinquedo do dia);
Proponha brincadeiras que valorizem a criatividade, como teatro, pintura ou invenção de histórias;
Elogie ideias originais, mesmo que simples;
Mostre que errar faz parte do processo de aprendizado e que não é preciso copiar ninguém para ser aceito.
Entender por que as crianças copiam é o primeiro passo para acolher esse comportamento com empatia. Imitar é, acima de tudo, uma forma de aprender, se conectar e experimentar o mundo. Cabe aos adultos o papel de oferecer exemplos saudáveis, escutar com atenção e conduzir com firmeza amorosa, ajudando cada criança a descobrir quem é de verdade — com suas próprias ideias, emoções e jeitos de ser.
Afinal, crescer é uma aventura que começa pela observação, mas se torna única quando se transforma em expressão própria.